O século XX assistiu a uma multiplicação de poderes desenvolvidos pela inovação tecnológica que não teve precedentes na história, assim, uma vasta literatura discutiu a influência dos principais provedores de informação das sociedades contemporâneas - a mídia de massa. Pierre Bourdieu e Sartori são dois ícones relevantes para poder discutir esse tema. Um dos campos mais afetados devido a este 'progresso', foi, sem dúvidas, o campo das telecomunicações.
Bourdieu, teórico marxista, diz que a questão fundamental é a submissão dos meios de comunicação aos interesses de mercado e, também, o fato de se tornar o reflexo do próprio mercado competitivo que constantemente busca clientes. Para ele, a luta contra o índice de audiência é uma luta insaciável pela democracia...
Sartori concorda majoritariamente com as afirmações de Bourdieu, porém, seguiu uma linha de raciocínio a fim de justificar sua teoria antropológica contra a televisão e mostrar como a sua existência inviabiliza o homem político. Seus argumentos não estão centrados na emissão da informação, e sim, na recepção da mesma. Há um longo processo de comunicação, há uma história da escrita; cada letra do alfabeto tem uma história que começou com uma imagem, associados por fonemas, que constituem uma palavra: a comunicação acontece a partir daí, e, então, há a possibilidade de expressar coisas que não seriam possíveis apenas com uma imagem. Quem não conhece os códigos da linguagem, tem problemas com a comunicação que gira em torno da palavra e da escrita propriamente dita.
Para o autor, haveria um anacronismo - o homem passa de homo-sapiens para homo-videns: os homens constroem sua sociedade que era em torno da palavra, através da imagem, ou seja, passam a pensar apenas por imagens, a imagem passa a ter primazia sobre a palavra. O homem passa por uma alteração de apreensão das informações - quando se olha a imagem, a identificação é mais rápida e essa privação da leitura privaria o homem da capacidade reflexiva.
Há a existência também da vídeo-criança, que é educada antes pelo vídeo do que pela palavra. Isso causa dificuldades para interpretar um texto, por exemplo. Seriam crianças facilmente manipuladas...
Há a existência também da vídeo-criança, que é educada antes pelo vídeo do que pela palavra. Isso causa dificuldades para interpretar um texto, por exemplo. Seriam crianças facilmente manipuladas...
Ele ainda afirma que os meios de comunicação, que surgiram antes da era televisiva, não haviam ainda atingido a natureza simbólica do homem. A televisão atingiu. Com a incessante necessidade de ver, o homem acaba por perder a sua capacidade cognitiva que dispensa a visão. O predomínio da visão, segundo nosso autor, é um passo atrás, deixa o homem mais próximo dos seus ancestrais, o homem retrocede do ‘inteligível’ para o ‘sensível’. Sendo assim, a televisão apaga os conceitos, a possibilidade do homem de raciocinar e produz apenas imagens... Daí, tele-visão. A imagem não necessita capacidade de abstração, ela se basta em si própria. Enquanto a palavra constitui todo um universo simbólico, a imagem não tem nenhuma função senão produzir um estímulo visual. E, para a televisão, o que é visível, acaba por ter papel principal, enquanto a narração possui apenas caráter meramente secundário.
Bourdieu apesar de concordar, enxerga um problema mais grave na relação imagem – palavra: não é que a palavra esteja ausente, como diz Sartori, mas o estrago que as palavras causam por não serem cuidadas, afinal, preocupa-se muito mais em fazer algo em busca de audiência do que com a veracidade dos fatos e da própria realidade, porém, ambos estão de acordo que a televisão requisita a imagem. Seria impossível publicar um fato em instantes, pois, para que houvesse o mínimo de legitimidade, deveria ter um espaço mínimo para reflexão e até mesmo debate. Para o autor, a informação sempre fica na superficialidade, não dá tempo para digerir e moldar uma informação decente, seria somente uma superfície sensacionalista. Quando há debate, está apenas voltado para o senso comum, apresentando soluções fáceis para questões complexas. O autor “diz” ao jornalista: você está prestando um desserviço à sociedade, sem saber. Essa “provocação” teria incomodado jornalistas, pois, para eles, o trabalho é bem intencionado, estão apenas obedecendo à estrutura proposta.
“Com palavras comuns, não se ‘faz cair o queixo do burguês’, nem do ‘povo’. É preciso palavras extraordinárias. De fato, paradoxalmente, o mundo da imagem é dominado pelas palavras. A foto não é nada sem a legenda que diz o que é preciso ler (...). Acontece-me ter vontade de retomar cada palavra dos apresentadores que falam muitas vezes levianamente, sem ter a menor ideia da dificuldade e da gravidade do que evocam e das responsabilidades em que incorrem ao evocá-las diante de milhares de telespectadores, sem as compreender e sem compreender que não as compreendem. (...) Porque essas palavras fazem coisas, criam fantasias, medos, fobias ou, simplesmente representações falsas” (Bourdieu, op.cit., pp. 25-6).
A televisão se apresenta como única influência educativa prazerosa, porém, a televisão não tem como ser um educador total, pois ela oferece apenas noções, e, então, os aprofundamentos que são atingidos pela leitura são deixados de lado. Logo, o conhecimento televisivo, que se baseia em noções, torna-se o conhecimento que prevalece e que tem relevância, fator que cria indivíduos estúpidos, se assim podemos dizer.
Sartori diz: “O fato da informação e a educação política estarem em mãos da televisão [...] apresenta problemas sérios para a democracia. Ao invés de usufruir de uma democracia direta, o demos é dirigido por manipuladores da mídia”.
Um ambiente no qual toda a opinião é heterônoma, não é possível que uma boa política seja realizada e a televisão, que poderia ser um instrumento que poderia ter trazido novamente a democracia direta - cujas decisões e rumos da polis poderiam ser decididas e comunicadas em tempo real - tornou-se o meio pelo qual os donos do poder legitimam a sua força, e somente isso.
Tanto a preocupação de Bourdieu como a de Sartori, neste aspecto, diz respeito a uma forma de sociedade na qual poucos pensam, agem e imprimem de forma fluente e sem obstáculos na consciência de cada indivíduo.
Sartori exprime: “Não temos mais um homem que ‘reina’ graças à tecnologia inventada por ele, mas, ao contrário, temos um homem submisso à tecnologia, dominado pelas próprias máquinas. O inventor é esmagado pelos seus inventos” (Sartori, op. cit., p. 119).
O tempo dedicado aos fatos que são filmados é enorme, enquanto que os fatores de relevância pública ganham pouquíssimos segundos. O que se mostram nos noticiários são fatos de importância nula, como: catástrofes naturais, acidentes, violência, fofoca... Além, é claro, dos pseudo-eventos (termo de Bourdieu), ou seja, eventos que só ocorreram por conta da televisão, ou seja, se não houvesse uma filmadora que filmasse esses eventos, eles não teriam sido divulgados na televisão. O noticiário privilegia o ataque e cala a defesa. Afinal, segundo Sartori, o ataque está na ordem das imagens, enquanto que a defesa é apenas discurso.
Bourdieu reflete: “Os jornalistas têm ‘óculos’ especiais a partir dos quais vêem certas coisas e não outras; e vêem de certa maneira as coisas que vêem. Eles operam uma seleção e uma construção do que é selecionado. O princípio de seleção é a busca do sensacional, do espetacular. A televisão convida à dramatização, no duplo sentido: põe em cena, em imagens, um acontecimento e exagera-lhe a importância, a gravidade, e o caráter dramático, trágico” (Idem, p. 25). “Essa espécie de jogo de espelhos refletindo-se mutuamente produz um formidável efeito de barreira, de fechamento mental” (Idem, p. 33).
Bourdieu ainda trata do furo jornalístico - necessário para o sucesso e total credibilidade do jornal: “Para ser o primeiro a ver e a fazer ver alguma coisa, está-se disposto a quase tudo, e como se copia mutuamente visando a deixar os outros para trás, a fazer antes dos outros, ou a fazer diferente dos outros, acaba-se por fazerem todos a mesma coisa, e a busca da exclusividade, que, em outros aspectos, produz a originalidade, resulta aqui na uniformização e na banalização. [...] Flaubert gostava de dizer: ‘é preciso pintar bem o medíocre’” (Idem, p. 27). Há, segundo Bourdieu, uma busca desenfreado pelo “sempre assim” e o “nunca visto” (Idem, p. 61).
Sartori concorda com Bourdieu e vê um problema extra nesta criação do mundo pela televisão: ela é descrita por pessoas cujo conhecimento acerca dos assuntos de que tratam não dá conta da complexidade daquilo que falam. Qualquer “imbecil” pode falar sobre qualquer assunto, pois a sua palavra será legitimada pela força da imagem. As verdadeiras autoridades nos assuntos em questão são caladas para que celebridades democratizem a sua estupidez.
Sartori não cai na teoria da conspiração e adverte que muitas vezes, a desinformação não é fruto da manipulação, mas sim da falta de competência jornalística. Para ele, não é o jornalista que manipula, pois ele é uma simples vítima da manipulação do jornalismo.
Manipulação se dá com dependência, demência e submissão, que por sua vez se dá pela falta de capacidade de pensar e raciocinar. O ser humano tem a ferramenta mais extraordinária e capaz do que qualquer chip ou tecnologia pode ter: o cérebro. O ideal é que soubesse utilizá-lo, e não deixar em stand-by para ser corroído até a destruição.
Manipulação se dá com dependência, demência e submissão, que por sua vez se dá pela falta de capacidade de pensar e raciocinar. O ser humano tem a ferramenta mais extraordinária e capaz do que qualquer chip ou tecnologia pode ter: o cérebro. O ideal é que soubesse utilizá-lo, e não deixar em stand-by para ser corroído até a destruição.